sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Quem



Eu sou...

Eu sou aquele que se desconhece em si mesmo,
Pinta a pele de labirinto com as marcas de amores perdidos
Eu sou a voz pra dentro, que cala o peito e ecoa por entre os ossos
Rege as batidas do coração desafinado pelos quereres
Eu sou o fruto caído do galho, machucado demais pra ser doce
Esquecido no chão, esperando ser semente pra se semear
Eu sou a raiva entre nós que distorce o espaço pra que nada caiba certo
Força da minha mãe natureza capaz de devastar a tudo que mais ama
Eu sou o amor que não se concretizou, a promessa sem prometido
Uma lição que ensina a sofrer sorrindo, morrer vivendo, parecer desaparecendo
Eu sou o tempo roubado, ponteiro ímpar a marcar as horas não passadas
Os beijos não dados, as vontades negadas, o desejo não desperto
Eu sou o mal, a nigrosina na ponta da língua, o sabor da traição, o idioma da serpente
Deus da dúvida, deusa da incerteza, maestro da manhã silenciosa, filho sem berço
Eu sou a chave errada na fechadura errada, rachadura na porta rígida
Aquele que entra sem pedir e sai sem se despedir, vulto no corredor, estalo na cozinha, sussurro na janela
Eu sou a montanha intransponível, inacessível, inalcançável, inabitável
Pico da solitude, ponta de rocha a rasgar os céus, segura em si mesma, escondida nas próprias cavernas, abalável
Eu sou o sal despejado em solo fértil, punhado de nada
Aquele que seca a si mesmo e àquilo que toca
Eu sou a ponta da lança entre as costelas que atende à súplica
Instrumento do sacrifício, sou quem perfura e também quem sangra
Eu sou o crepúsculo, sono dos deuses, refúgio do horizonte, vago entre luz e treva
Eterna transição entre céus, a valsa dos opostos, a paz dos odiosos, sou trégua
Eu sou a rua violentada, caída sobre si e coberta pelo véu na noite
Feita para ser pisada, para conduzir os outros aos seus destinos e manter-se parada no seu
Eu sou o beijo na lágrima, o lábio que toca o mar e se salga
Luar que acalma a maré em madrugadas tempestuosas
Eu sou o detalhe que não coube na carta, na fala, na mala, na mesa do bar
Dito não dito, um respiro, um texto lido e não compreendido, uma frase solta

Eu sou o detalhe que você não percebeu.

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