quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Nostalgias

Corri pela estrada arranhando céu com meus dentes
de braços largos num sorriso aberto
lancei minha alma ao nada
enquanto pensava em tudo
Zéfiro entrava na cara sem bater
acariciava os caminhos do rosto
como se os lesse com a ponta dos ventos
Desfiz a mim no caminho
rastro, gasto, passado e repassado
Fiz de mim lembrança
Trilha
Tiro.

...

Hoje eu não acordei bem. Mas acordei. Os finais de ano me deixam extremamente nostálgico e nada, nem ninguém, consegue abater a sensação de o que tive no passado só se tornou mais importante do que o que tenho no presente quando, de fato, passou. Que na época em que eu olhava pra você fumando na cozinha, não sentia muito além de comodismo e segurança. Mas depois, quando ficamos ambos no cinzeiro, sua ausência ganhou mais peso do que a presença. Teve que doer pra me fazer sentir. Eu até sentia naquela época, só não sabia o quê. Diria, ontem, que era amor. Hoje, nostalgia.

Na infância, passava grande parte dos meus dias só, comigo mesmo, apenas. Eu achava que solidão era uma condição normal. Pelo menos no meu caso. Assim me criei, literalmente, bem. As conversas eram longas. Dois Vinicius a contar sobre suas vontades, sonhos, etc. Por fora, lábios selados, por dentro, algazarra. Daí cresci e fui obrigado a falar mais - bem mais, inclusive. Mas sempre que podia, calava. Comecei a sentir saudades de ficar quieto e solitário. Comecei e continuei. Continuo. Nostalgia, não é mesmo?

As músicas, as roupas, os cheiros, as cores... Cada época tinha suas marcas que serviam de indexamento para a memória. Porém, nada se comparava aos céus. Eu lembro deles e parece que meu coração deixa na grama com a cara pra cima, rabiscando contorno nas nuvens. Havia céus alaranjados e mornos, como um abraço. Outros eram azuis e roxos, misteriosos e profundos, nos quais o coração se escondia. Mas meus favoritos eram os céus "híbridos", aqueles sem definição exata, mesclados, como imagem criada com pincel sujo. Um resto de cor atrelado a outro resto de cor, estes eram os céus estampados após as tempestades. Era o chumbo empoeirando o azul celeste, o rústico e o suave, uma dança entre opostos que se distraem. Céus que deixam saudade. Céus de nostalgia.

Pessoas que compuseram meus dias também ressurgem nos porta-retratos. Sob poeira da saudade, sob nostalgia cristalina.

...

Nosso abraço durou um terço do meu corpo
Girei sentindo anti-horário pra me atrasar alguns minutos
até que seu peito silenciasse o despertador no meu
Cheguei mais cedo pra sentar perto de ti
tímido, assim, fiquei ali, cronometrando os 4 anos de nós,
tendo tiq-ue ou quase a-tac a cada troca de olhares
Vou derreter esse tempo congelado pra, do seu lado,
reaquecer cada segundo em primeiro no seu amor
meu amor

....

O cheiro de quarto velho. De coberta que trocou o perfume do amaciante pela essência de sono. De me sentir no lugar mais "meu" do mundo. Como é bom chegar em casa e saber exatamente onde me encontrar. Cada prateleira tem um pouco de mim. Um pó de mim. Gosto assim, exatamente assim. Sinto como se as posições de detalhes fossem uma espécie de mapa astral a me definir. Ou lembrar quem eu sou. Quando mudo algo, mudo a mim, a minha percepção e tudo mais. Fica evidente o movimento dos astros sob a pilha de livros e roupas.

Também gosto de abafar bem o som. Aumentar o volume e me jogar no oceano e timbres. A cabeça submerge nas águas sonoras. Debaixo do áudio, canto de sereis, serenata de baleias, conchas nos ouvidos sussurrando mares. Então eu me rendo e danço. No espaço apertado do quarto faço, entre quatro paredes, as profundezas para, então, sentir falta de ar. Sentir falta de respirar meu ar. Encher os pulmões do meu próprio cheiro, impregnado por todos os cantos. Faço isso quando sinto falta de mim. Nostalgia de mim.

Das tantas voltas que dei pra chegar até aqui
o ponto de partida que me rasgou ao me libertar
a porta que tranquei, agora me deixar entrar
Ir e vir, pra lá e pra cá, a gente só caminha porque sabe voltar
E quando chega novamente, faz as pazes com os céus, o tempo e o espaço
Regresso que descansa os joelhos, como é bom chegar
de (a)onde nunca saímos.
De nós.

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