terça-feira, 6 de outubro de 2015

Páginas pretas I

Minha boca está seca
Eu sinto como se algo devorasse minhas entranhas
Algo gélido
Apagaram as luzes dentro de mim
Mas eu não posso simplesmente deitar e ficar parado, em silêncio
o mundo me invoca, ele exige minha presença
mas eu não vou, mando qualquer coisa de mim, mas não eu
Só penso em morrer, sumir, qualquer ação que me tire daqui e daí, de lá e de cá
De qualquer lugar
Penso nas pessoas queridas, não as quero mais
Penso nas pessoas que quis - mas não as tive - e sinto ânsia de vômito
Lembro da minha família e vem um vazio que era pra ser sempre preenchido com amor
Eu não consigo me conectar a ninguém, só a mim mesmo
Falar está me custando muito
O carinho de quem sabe da minha situação dói feito espinho de peixe descendo pela garganta
Sou obrigado a engolir esse sentimento bom que só me estraga
Há nigrosina na minha visão, na minha saliva escassa, em tudo que cai para dentro
Eu não quero viver, mas morrer seria ruim também
Estou num ponto de intersecção entre a glória de existir e a vitória de morrer
Nem glória, nem vitória, eu me arrasto pelas linhas do destino
Tudo que contruí não passou de reflexo das expectativas alheias
Eu nunca quis muito, mas alargaram meu desejo
Fizeram de mim um adicto
Não me importo
Queria sentir algo além dessa angústia profunda
Mas não dá, não consigo
Só penso em partir
Romper com vários vínculos
Só penso, porque não consigo me mover
Não assim, com grilhões a me prender
Imagine chegar no trabalho, só que sem ter saído do quarto... Quase isso
Odeio me sentir vulnerável e a bala não vir pra acabar com tudo
É difícil explicar
Digo apenas que é ruim, que consome tudo e que te faz ter aversão às pessoas
Ao mundo, aos sons que não são aqueles que você escolheu ouvir
Os olhos tentam se esconder e só se fixam em objetos mortos, inanimados
A cabeça fica mais baixa
E o principal: evitar olhar diretamente para os olhos dos outros
É pior do que levar uma facada
Há uma imagem constante em minha mente - cidades ruindo
Tudo desmoronando num fim de tarde crepuscular cujo tom alaranjado lembra algo em sépia
Lentamente, tudo rui
Eu não queria sair do meu quarto hoje
Fui obrigado a nascer, então essa vida não é só minha
Ela também é de outros e outras
Isso me tortura lentamente
Não ter a mim mesmo por completo
Se eu tivesse, o que faria?

Não seria.

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