sábado, 6 de dezembro de 2014
Movo
Não sei dizer se é sentimento ou simplesmente desejo. Não sei e não me importo. Eu te olho bem de perto, invado a nuca dos teus olhos atrás do que há nos fundos das ideias. Vejo a mim, sentado no pico de uma montanha, conformado com o fato de não saber mais como descer. Lá fico, e você continua contando histórias sobre mim para seus amigos. Todos no chão, eu lá em cima.
Dentro de você eu fico onde bem não me entendo. Se sou careta ou simplesmente anêmico de vivências, não sei - continuo não me importando. Estou dentro. Daqui não saio, porque daqui você não me tira. Às vezes vem me visitar, com voz macia e desprezo. Na inércia da sua insegurança, vou e volto sem me mexer. Dentro, não preciso me mover. Lá me finco, na zona de conforto alheia.
Toda noite você vem pra apagar a lua e me dizer boa noite. Toda manhã você reaparece pra ver o nascer do só. Boceja comigo, respira minha preguiça e abre as janelas das pernas para que eu tome café. A refeição mais importante do dia. Depois sai, vai cuidar de si e me esquece em cima da mesa, junto das chaves. Tranca-se do lado de fora e depois grita meu nome pra que te deixe entrar mais uma vez. Não me movo. Não preciso me mover.
E assim passamos o tempo. Eu aí, você também. Não saio, sou prisioneiro voluntário. Gosto de pertencer, por isso te deixo não me deixar. Faço questão de ir te encontrar enquanto sonho, já que o corpo desperto não me quer por perto.
Ainda me procuro nas tuas conversas, mas só me encontro no teu olhar. É através dele que eu vejo o mundo sem graça, sem espaço, sem picos, só abismos.
Não me movo. Não morro. Moro no morro. Morro de novo. E você sempre vem me buscar na hora certa, quando o relógio corre pra trás e resgata um passado presente. Retrocede os ponteiros com as pontas dos dedos úmidas e pinta meus lábios com a cor do silêncio. Faltam-me palavras então eu sorrio. Porque assim digo que está bom e que não precisa mudar. Permaneço mudo.
E quando movo, movo apenas um dedo - aquele que desenha teu rosto. Enquanto você não vem, eu também não vou. Espero pacientemente pela ligação que mais uma vez nos une. Esqueço que não estou em mim, você me diz pra à vontade que a casa no seu peito também é minha, que essa cordilheira escondida por debaixo da pele é como se fosse minha. Fico nu nos seus pensamentos, abro a geladeira e vasculho as prateleiras atrás dos medos que você conserva há anos. Escolho qualquer um, lambuzo-me dele e finjo que está tudo bem. Você nem percebe que eu mexi em algo. Diz que não sente falta de nada, só de mim.
Não me comovo. Não preciso me comover.
sexta-feira, 5 de dezembro de 2014
Nele
Joshua nasceu por algum motivo. Ou simplesmente pela falta de motivos para não nascer. Nasceu e o primeiro gemido foi seu, apenas seu. No colo morno da mãe, mamou vida e soluçou fartura. Criança forte que aprendeu com o pai a ter medo de não ter coragem. Filho único, pois era ele, Joshua, só dele mesmo. Seus irmãos mais velhos não o alcançavam. Estava ele sempre no topo das próprias ideias, calado enquanto conversava com qualquer voz dentro da cabeça.
Joshua cresceu, e crescer dói tanto quando nascer. Homem, gay, morador de periferia, filho de mãe branca vítima de machismo e falta de amor; filho de pai negro, machista, humilde e alcoólatra. Fruto da falta de carinho conjugal. Educado pelas brigas e salvo pelo travesseiro que abafava os gritos e ofensas. Joshua tinha pra si o que poderia ter de melhor: si mesmo. O que vinha de fora (nem sempre) era bem-vindo, mas não acalantava as muitas dores que insistiam em feri-lo.
Homem, gay, pobre, graduado, situado de várias formas no mundo. Perdido em todos os sentidos quando visto pelos olhos dos outros. Sentido por ter perdido parte de sua juventude numa sexualidade sem referências que fossem compatíveis com os desejos que tiravam o sono e suavam a pele. Por anos sentiu-se desconfortável com o toque, com o querer, com o cheiro das outras - caçando o cheiro dos outros. Mas confortável na consciência da própria existência. Assim ele se debruçava no emaranhado de curvas que fazia seus lençóis solitários. Com tamanho para dois. Joshua e só Joshua.
Joshua nasceu assim. Só dele. Só nele.
Joshua cresceu, e crescer dói tanto quando nascer. Homem, gay, morador de periferia, filho de mãe branca vítima de machismo e falta de amor; filho de pai negro, machista, humilde e alcoólatra. Fruto da falta de carinho conjugal. Educado pelas brigas e salvo pelo travesseiro que abafava os gritos e ofensas. Joshua tinha pra si o que poderia ter de melhor: si mesmo. O que vinha de fora (nem sempre) era bem-vindo, mas não acalantava as muitas dores que insistiam em feri-lo.
Homem, gay, pobre, graduado, situado de várias formas no mundo. Perdido em todos os sentidos quando visto pelos olhos dos outros. Sentido por ter perdido parte de sua juventude numa sexualidade sem referências que fossem compatíveis com os desejos que tiravam o sono e suavam a pele. Por anos sentiu-se desconfortável com o toque, com o querer, com o cheiro das outras - caçando o cheiro dos outros. Mas confortável na consciência da própria existência. Assim ele se debruçava no emaranhado de curvas que fazia seus lençóis solitários. Com tamanho para dois. Joshua e só Joshua.
Joshua nasceu assim. Só dele. Só nele.
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
Em cantos
Esparramou-se pelo breu como farelos no infinito. Preguiçosamente, abriu caminhos nunca antes caminhados - sem rumo, esquinas, curvas ou saídas. Em cantos, deixou acumular-se a poeira luminosa que até hoje brilha atrasada. Um tempo totalmente relativo que vai e volta, roda e dança no vórtex de si mesmo. Foi assim que nasci, parindo-me na escuridão. Com o encanto de quem se criou antes mesmo de se criar e crer na vida.
Arrastou-se no sopro que veio dos confins daquela goela seca, silenciosa, muda devido à anemia de palavras, de confissões, choros, gritos e relatos. Muda por ter acabado de se fazer semente no universo a ser arado. Desta cilindro vocálico nasceu o silêncio. Absoluto, em eterno luto, lutando para não ser notado e sim ouvido. No vácuo dos orifícios que, feito cavernas só ecoam, o silêncio achou refúgio. Anulou-se para então se fazer onipresente - agora, em todos e todas que ainda estão por vir. Por existir.
Do nada surgiu o nada que seria uma partícula daquilo que chamamos de "todo". Dessa enorme colcha de retalhos, os retratos do espaço nunca ficaram pregados nas paredes do infinito. Espelharam-se. Refletiram-se os encantos nos cantos uns dos outros e assim propagaram a si próprios, unicamente idênticos, fazendo dos muitos o nada reconhecível. Eu estava ali, mas não me vi.
Vi-nos nos outros.
___
Reflexão:
E eu penso: não consigo medir o quanto de espaço há dentro de mim, da minha mente, do meu querer, da minha consciência.
Eu tento imaginar paredes, muros, algum tipo de estrutura que me diga "começa aqui e vai até ali", mas nada vejo. É um breu e eu - "brEU".
Percebo então que o universo se faz em mim sempre que me olho e me sinto pequeno diante do que sei que sou, mesmo sem saber até onde sou. Sinto como se existisse o tudo e o nada num mesmo momento no qual ambos anulam-se e criam-se de acordo com as vontades e desejos.
E essas vontades e desejos são como estrelas... Elas nascem de uma explosão, brilham intensamente e, em seguida, morrem. Ainda assim, muitas vezes continuamos a vê-las por anos, achando que ainda estão vivas. Muitos desejos são assim... A gente perde a essência, mas continua acreditando que ainda quer como sempre quis.
Nós, eu você, eles, todxs, percebemos tarde demais que o brilho se extinguiu há tempos... Que desejo nasce pra morrer, pra ser queimado e não pra permanecer intacto.
Vivemos, internamente, a cosmogonia de nós mesmos.
Arrastou-se no sopro que veio dos confins daquela goela seca, silenciosa, muda devido à anemia de palavras, de confissões, choros, gritos e relatos. Muda por ter acabado de se fazer semente no universo a ser arado. Desta cilindro vocálico nasceu o silêncio. Absoluto, em eterno luto, lutando para não ser notado e sim ouvido. No vácuo dos orifícios que, feito cavernas só ecoam, o silêncio achou refúgio. Anulou-se para então se fazer onipresente - agora, em todos e todas que ainda estão por vir. Por existir.
Do nada surgiu o nada que seria uma partícula daquilo que chamamos de "todo". Dessa enorme colcha de retalhos, os retratos do espaço nunca ficaram pregados nas paredes do infinito. Espelharam-se. Refletiram-se os encantos nos cantos uns dos outros e assim propagaram a si próprios, unicamente idênticos, fazendo dos muitos o nada reconhecível. Eu estava ali, mas não me vi.
Vi-nos nos outros.
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Reflexão:
E eu penso: não consigo medir o quanto de espaço há dentro de mim, da minha mente, do meu querer, da minha consciência.
Eu tento imaginar paredes, muros, algum tipo de estrutura que me diga "começa aqui e vai até ali", mas nada vejo. É um breu e eu - "brEU".
Percebo então que o universo se faz em mim sempre que me olho e me sinto pequeno diante do que sei que sou, mesmo sem saber até onde sou. Sinto como se existisse o tudo e o nada num mesmo momento no qual ambos anulam-se e criam-se de acordo com as vontades e desejos.
E essas vontades e desejos são como estrelas... Elas nascem de uma explosão, brilham intensamente e, em seguida, morrem. Ainda assim, muitas vezes continuamos a vê-las por anos, achando que ainda estão vivas. Muitos desejos são assim... A gente perde a essência, mas continua acreditando que ainda quer como sempre quis.
Nós, eu você, eles, todxs, percebemos tarde demais que o brilho se extinguiu há tempos... Que desejo nasce pra morrer, pra ser queimado e não pra permanecer intacto.
Vivemos, internamente, a cosmogonia de nós mesmos.
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