sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Nele

Joshua nasceu por algum motivo. Ou simplesmente pela falta de motivos para não nascer. Nasceu e o primeiro gemido foi seu, apenas seu. No colo morno da mãe, mamou vida e soluçou fartura. Criança forte que aprendeu com o pai a ter medo de não ter coragem. Filho único, pois era ele, Joshua, só dele mesmo. Seus irmãos mais velhos não o alcançavam. Estava ele sempre no topo das próprias ideias, calado enquanto conversava com qualquer voz dentro da cabeça.

Joshua cresceu, e crescer dói tanto quando nascer. Homem, gay, morador de periferia, filho de mãe branca vítima de machismo e falta de amor; filho de pai negro, machista, humilde e alcoólatra. Fruto da falta de carinho conjugal. Educado pelas brigas e salvo pelo travesseiro que abafava os gritos e ofensas. Joshua tinha pra si o que poderia ter de melhor: si mesmo. O que vinha de fora (nem sempre) era bem-vindo, mas não acalantava as muitas dores que insistiam em feri-lo.

Homem, gay, pobre, graduado, situado de várias formas no mundo. Perdido em todos os sentidos quando visto pelos olhos dos outros. Sentido por ter perdido parte de sua juventude numa sexualidade sem referências que fossem compatíveis com os desejos que tiravam o sono e suavam a pele. Por anos sentiu-se desconfortável com o toque, com o querer, com o cheiro das outras - caçando o cheiro dos outros. Mas confortável na consciência da própria existência. Assim ele se debruçava no emaranhado de curvas que fazia seus lençóis solitários. Com tamanho para dois.  Joshua e só Joshua.

Joshua nasceu assim. Só dele. Só nele.

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