Ruptura
Reúna todos os pedaços da ruína que você se tornou e rua.
Rua para as pernas atrofiadas de quem não sai de casa, desconfiada, e fica
enfiada nas almofadas com cheiro de cigarro. Acha a agulha de costura no meio
da pele, faz um ponto pra fechar a ferida. Marca um ponto por ter fechado a
ferida. E sal, muito sal pra ajudar na cicatrização. Religa os pontos com linha
preta. Da ruína à malha de si mesma. Retalho por retalho, ela malha a si mesma.
Enjoei da escrita propositalmente côncava. Cansei das
palavras de confissão que prestam serviço ao falso bom-senso nosso (meu) de
cada dia. Acostumei com o gosto amargo do cigarro e agora que o maço acabou só
me resta amargurar outra ponta. Não a da língua. Nem do fumo. Dos dedos mesmo.
Asfalto, calor, ar seco e a boca luta pra se manter úmida.
Também luta por outras causas. Luta pra poder falar, luta pra se manter calada
sempre que puder, luta para ser beijada e luta para dizer adeus sem ter que
trair o coração. Essa boca acorda todos os dias comigo. Boceja, banha-se;
perfuma-se; alimenta-me e vai. Vai vestida de lábios para mais um dia de
asfalto seco, calor no ar e paladar seco.
Olhar distraído de mentira. Finge que está preso nas páginas
do livro recém-adotado, mas não tira os olhos dos outros olhos. Olha pra muita
gente, pensa sobre toda essa gente e tem vontade de ficar, casar, brigar por
causa do banheiro todo molhado, reatar... E se for pra ser, tem que ser olho no olho. Olho, globo do
corpo, buraco na parede da alma, diafragma sem foco manual. Seu foco é etéreo.
Quando se interessa, ajusta as lentes pra não atraiçoar o coração com ilusão de
ótica. Ou ilude, mas não se responsabiliza pela interpretação. Nem depressão. O
que os olhos veem é o que o coração luta pra não sentir. Porém sente.
Ligamento
Boca, dedos, língua e olhos. Tudo junto na tentativa de ser
algo. De ter peso, massa, importância, existência. De ter nome, de ser batizado
e achar alguém pra chamar de hora em hora, sem pausa, sem desculpa, sem ter que
marcar encontro. Alguém pra beijar a boca, entrelaçar os dedos, morder a língua
e olhar nos olhos. Tudo simples. Tá tudo no corpo, já veio assim, a gente é que
se censura. Passa tempo demais tentando achar desculpa pras vontades e
repulsas.
O corpo morre. Vale lembrar.
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