sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
Dentro da fumaça
Acordei com o roncar do estômago. Mais de três dias sem comer decentemente. E mais três dias na mesma miséria, pode apostar. Às três da manhã, contei quantos cigarros ainda me restavam. Se eu te dizer que o número é recorrente. Três.
Peguei algumas moedas que estavam misturadas à imundice do carpete e fui atrás de um maço. Minha boca não tinha gosto. Seca. Caminhei por alguns minutos e me senti à vontade no vazio da noite. Entrei no mercado e logo me direcionei ao caixa. Pedi um maço e ele - sim, era um cara - pegou o pacote sem nem me perguntar qual marca eu queria. Acertou, de fato. Joguei as moedas na esteira metálica e pedi um isqueiro. Ele, magro e de olhos fundos, tirou o próprio objeto do bolso e me ofereceu fogo. Ignorei a placa de "Proibido Fumar" e fui para dentro da fumaça.
Minhas mãos tremiam e a pele esticada entregava meu jejum nada religioso. Eu tentava emitir sons altos, trombando nas prateleiras, para evitar que ele ouvisse meu estômago. Inútil. O inevitável momento de silêncio veio e com ele o rugido da fera. Agradeci pelo isqueiro e sai rapidamente do local. A sensação de fome me comia.
Coloquei a mão no bolso para pegar as chaves e senti um peso estranho. Puxei um pacote enrolado por papel vagabundo e descobri que eram biscoitos. A menos que a falta de alimento tivesse me causado alucinações - ou a fome fosse capaz de roubar por mim - teria sentido encontrar tais guloseimas na minha jaqueta velha. O rapaz fez o serviço. Poupou-me do crime.
Em casa, abri a janela e observei o restante da noite. Não queria que amanhecesse. Odeio ter que assistir o nascimento do sol e toda a sua merda de prepotência. Odeio olhar para tudo e ver com detalhes o desgaste que o tempo trouxe. Foda-se, é a fome dialogando comigo.
Abandonei família e estudos. Agora vivo assim, um dia de cada vez. Mas bem mal vividos, diga-se de passagem. Não faço o que quero, porque para isso preciso de dinheiro. Sempre estou duro de grana. Enfim, escolhi recusar o que o mundo tinha reservado de melhor para mim. No final, os outros sofrem mais pela minha pessoa do que eu mesmo. Não é mesmo?
Fim de noite, começo do amanhã. Nenhuma expectativa, nenhuma frase de encerramento, nenhum relato bem escrito ou carregado de lirismo. Cru e direto, mais um dia comum em que eu não sou nada além de um cara qualquer.
Nem por isso me privei de escrever. E você de ler.
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