Elas estavam distantes demais. No alto, pareciam esconder algum tipo de tesouro. De repente, um monstro ou quem sabe uma princesa... Eu não sei, e isso me matava de curiosidade a cada segundo.
Todos os dias, meu pai acordava cedo e ia à Igreja. A missa reunião toda minha família e por isso eu gostava de estar ali, envolvido pelos meus. Quando garoto, admirava o fato de ser o meu pai aquele que desaparecia nas torres. Eu sabia que, de alguma forma, sem ele a cidade não seria a mesma. A curiosidade ainda me matava.
Certo dia, tentei subir as escadas de madeira, enquanto meu velho conversava com outro rapaz. Na metade do caminho, desisti da ideia. Imaginei a cara de decepção do meu pai ao ver que subi em seu território sem ter sido convidado, ou pior, sem tê-lo avisado. Enquanto descia, errei o passo e despenquei degrau a baixo. Uma mão calejada segurou firme meu braço. Ele me olhou diretamente nos olhos e sem dizer uma palavra, convidou-me para que, finalmente, fosse saciada minha ansiedade.
No alto da torre, podia ver toda a cidade. Mas minha atenção foi despertada por outra imagem. Rústico e preso como se fosse um dragão selvagem, aquele objeto entregava seu peso apenas pela forma. As cordas que o prendiam se assemelhavam à correntes. Sim, senti medo. Mas nada superava o desejo em ver o fogo sair pela boca de tal criatura. Meu pai, o cavaleiro da torre, pediu para que me afastasse. Nesse exato momento, sabia que a batalha teria início. Receoso, só pude obedecer e cruzar os dedos para que a vitória nos acompanhasse até nossa casa.
O monstro foi agarrado pelas mãos do cavaleiro. Forte, resistiu ao primeiro “puxão” e jogou seu peso contra meu pai. Sem desistir, o homem de braços resistentes investiu contra a besta mais uma vez. Agora, ambos pareciam dançar perigosamente pela borda da torre. Meu coração palpitava freneticamente. Ainda assim, só conseguia observar com atenção. E tensão.
Com maior velocidade, o dragão de metal dobrou o céu no intuito de preparar o golpe fatal contra meu pai. O homem, empunhando a espada da inteligência, esquivou-se do golpe e por pouco não perdeu a cabeça. Eis que nesse instante a batalha chega ao seu ápice. Da boca bem aberta, a língua da fera – presa por correntes – se encolheu. Detentor de um poder inesgotável, o fogo saiu para consumir meu pai. Sim, fomos tragados pelo som do badalo que ecoou por toda a cidade. Incessantemente, meu pai continuava a lutar contra o dragão enfurecido. Ele encantava dragões. Fazia com que estes trocassem o fogo pelo som. Fazia-os cantar.
Cada disparada de chamas parecia ganhar maior proporção enquanto outros monstros se juntavam ao embate. O rapaz que antes conversava com meu pai também o ajudava no confronto. Eu não fazia muito além de morder os lábios e apertas os dedos ainda cruzados.
Sem demonstrar cansaço, o cavaleiro olhou para mim e sorriu suavemente. Já vencido e dominado, o inimigo lamentava sua derrota e rugia cada vez mais alto. Cada vez mais triste. Já não sabia mais se aquele momento refletia a vitória. O que sabia é que, assim como meu pai, meu maior desejo era ser cavaleiro.
Foi assim que, em São João del-Rei, resolvi dominar as chamas dos dragões e seu canto seria meu prêmio diário. Foi assim que me tornei sineiro.
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