Não conseguia manter a periodicidade da escrita. Era incapaz de preencher um diário. Tudo porque escrever se tornara uma forma de catarse. Eu não queria me libertar todos os dias. Precisava me prender e ficar em silêncio para sentir o abraço invisível dos meus próprios braços.
Meus cadernos guardavam as melhores frases e pensamentos, sempre nas últimas folhas. Antes, era preciso alimentá-los com conhecimento barato e sem fundamento empírico. Falava-se de guerras e povos dentro das salas de aula, repletas de crianças que não conheciam nem mesmo a língua de seus ancestrais. Falava-se de vida quando, na verdade, se evitava explicar da onde surgiam os bebês. Exigiam dos pequenos os maiores cálculos e, mesmo que sem sentido algum, diziam que tais fórmulas eram essenciais. Foi durante os anos na escola que perdi minha essência e fiquei alheio a tudo.
Meu vocabulário sempre se limitou ao que queria dizer, apenas. Simples, fraco, incompleto, seja lá o que for, eu sabia dizer o que queria dizer e isso era suficiente. A gramática não era problema. Hoje, gera neurose. Um erro e parece que o texto inteiro perdeu seu valor.
Agora, quanto ao valor...
Que letra errada poderia tirar o brilho das palavras cheias de sentimento? Qual vírgula iria se atrever a cortar o pensamento livre que galopa nos campos imaginários? Qual crase irá fazer referência aos corpos e rostos que cito nos meus escritos? Das regras que definem o gênero do sujeito, qual vai ter coragem de dizer quem deve ser o quê? Se neste espaço em branco me foi dada a chance escrever, então que eu aproveite ao máximo. E ser tão completo em linhas a serem escritas é simplesmente deixar o rio correr, que das águas cristalinas tirarei o reflexo desses olhos apaixonados que leem devaneios.
A preocupação excessiva com uma escrita livre de erros sufoca a despreocupação que nos traz estórias interessantes. Eu não sei escrever, então. Prefiro não saber. Assim, reforço a ideia de que aqueles que não sabem são justamente os que têm tempo para aprender cada vez mais. Eles só não sabem como parar o pensamento ou formatá-lo. São sábios, não inteligentes. Inteligência é outra coisa. Máquinas são inteligentes, mesmo que artificialmente. Mas qual o problema nisso? Nós somos solidários mesmo que artificialmente.
Durante muitas tardes de 2006, passei a maior parte do tempo escrevendo no meu quarto. Me perdia em meio à páginas e, quando relia o que tinha escrito, não reconhecia o autor. Mágoas, acertos, felicidades e o coração que insistia em tomar a caneta e silenciar a razão. O coração é de leão, não posso evitar. Até hoje passeio por esses contos e textos que não se decidiam entre a realidade e o sonho. Eu não era jornalista, mas escrevia com amor e vontade. Hoje, estou prestes a me tornar um comunicador e percebo que perdi o dom da conversa comigo mesmo. Já não sei mais falar abertamente com o Vinicius, porque me prendi aos malditos termos e restrições técnicas que um bom redator deve seguir. Então, dispenso o título.
Escrever é como soltar um pássaro que há tempos esteve preso e não sabe mais qual a cor do céu. Ele voa para o alto, por instinto, e quando vê o imenso azul se recorda das tantas viagens que fez. Para não deixar que tais momentos desapareçam no ar, ele canta. Eu escrevo. Acho ali um universo onde a ordem não faz sentido e as frases vão se organizando como bem entendem. Encontro ali os pulmões da criatividade, cheios de ideias e planos. Estas linhas tímidas me convidam a dissertar sobre música e toda a harmonia que puder encontrar. Marcam o momento de uma maneira única, tão única quanto as minhas várias formas de ver cada coisa. Uma rede de ações internas que mudam o batimento cardíaco e fazem a respiração ser parecida com a de uma criança ofegante. Ela corre pelas vielas do bairro atrás de uma pipa. Não quer o brinquedo, quer apenas correr. Faz o que tem que ser feito só porque quer ir além. Quando diz que ama é porque quer o beijo. Quando diz que odeia é porque quer fazer as pazes. Quando me diz que não entende é porque entendeu e não consegue aceitar. Quando fica é porque já pensou muitas vezes em partir. Quando lê é porque sabe que ainda estou aqui, nas linhas que amarram nossos espíritos.
Escrever é não revisar os pensamentos e sim confiar neles.
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