segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Uma vela para a indiferença

As mais sinceras desculpas. Uso-as porque poupa da discussão inútil. Recentemente, senti falta de romper com alguém que amo até doer. Toda aquela faze de angústia que destrói a saúde me faz perder os quilos que não tenho e me sentir morto. Um amargo que não tem gosto. A boca até procura, a língua tenta se lamber, mas nada. Tem a raiva na saliva que espuma, sim, a vontade de ver o outro sofrer ao ter que lidar com sua própria falta de caráter - ou simplesmente falta que faz em mim. 

O que sei é que assim vão. Dias, meses, espelho sem meu reflexo, porque não consigo me olhar quando estou desse jeito, em trabalho de parto daqui para nunca mais voltar. Retiro os rastros, passo um pano molhado nos passos dados sobre minha memória vingativa e não quero lembrar o caminho. No fundo, se passa este ciclo de tempestades, eu sei que vou admitir tranquilamente que tudo aconteceu porque eu, ainda hoje, amanhã sempre, tenho dificuldade em acreditar que as pessoas são capazes de permanecer. Não são.

Começa como um fio. Estala a espinha e arrepia a pele. O olhar congela porque não quer perder mais de vista. E tudo o que ele faz parece interessante, principalmente o que não é. Entra nas suas ideias e não se incomoda com a desordem delas. Vai ficando, quando viu já fez um mês, um ano, seis, passaram-se dez e ainda estamos aqui, eu escrevendo e ele nem sabendo. Enrola há tanto tempo que já tenho uma malha de lembranças de molho. 

Se existe alguém para quem eu tenha rezado mais nessa vida foi para a indiferença. Não há salvadora maior. Todos os dias eu peço para que se instale em mim. Todos os dias eu peço para sentir menos, para fazer jus ao meu jeito fechado que não compartilha quase nada daquilo que se cria pelos meus cantos. Se é por fora indiferente ao mundo, por dentro por que não? É como se tivesse algo ou alguém que simplesmente se recusasse a me deixar ser tão miserável quanto a vida leva a ser por meio das convenções sociais todas que impõe. Parece que há uma criança que não me deixa esquecer daquilo que impede a indiferença de entrar. Então esqueço eu dela. Fecho as janelas.  

Por favor, seque-me. Não deixe nada. Eu prometo que te vendo minha alma se isso existir mesmo. Só leve tudo, ele por completo, e os que virão também. Deixe-me preparado sempre para o pior, faça-me nem duro nem mole, faça-me intocável, alguém que passa, que todo mundo passa e nem percebe. Alguém que já vem para ir, chega para partir, alguém que passa. Por favor, não quero ficar, não quero mais toque e apego, não quero acordar na casa dos outros e voltar para a minha sozinho, todas as vezes, não quero ficar por ficar, isso nunca me fez bem, sempre me tirou do sossego que eu mantenho ao fingir ter controle sobre os caminhos da vida que quebram minhas esquinas. É só tudo isso que te peço, faz-me como você, assim, apática, de pé, inabalável, nêmese inexpressiva. Amanhã eu quero acordar como por vezes já me senti: vazio, comigo mesmo. 

Se hoje eu acender uma vela, algo que não faço, será para a indiferença.  




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