Não contei as lágrimas. Sei que foram poucas. Antes eu tivesse as deixado chover por fora. Escorri por dentro. Veio a cheia. Inundei.
Flume.
São os rios solitários? Profundos eu sei que são. Até os rasos fazem afundar. Queremos mergulhar neles, buscamos seu profundo, seu íntimo, queremos caber dentro do rio para com ele correr. Ao lado, a dois, estreitos entre as terras que morarão debaixo das unhas quando, finalmente, tocarmos seu fundo. Afundar, profundo, fundo. Busquei sempre alguém para correr comigo, em minha intimidade. O tempo que passou, eu permaneci como solo fluvial. Tive-me, enchi-me, fiz divisas para proteger o que era meu, sem proibir que fosse do outro. O tempo que passou, não eu.
Escrever mais para contar menos. Não são tantos os textos. Quem dera eu tivesse escrito para fora, na fala, na conversa, na terapia, o que seja. Recorri ao de dentro. Plúvio.
Senti falta por ter sentido vontade. Quero porque sempre quis. Há tempos que quero porque há tempos nunca tive. Ele passou, eu fiquei querendo. Passou e me olhou de leve, com ternura, de uma maneira que nem eu mesmo conseguia me olhar. Espelhado em seus castanho-escuros, vi-me, enchi-me, saí das divisas e transbordei como nunca antes. Nem o tempo conseguiu fazer com que ele passasse. Por isso estou aqui.
O desejo de ser amado para poder amar. Na base da confiança, na certeza do curso a ser seguido, a incerteza do sentimento que nunca chega é certa. Quem corre por mim além de mim? Quem escorrerá, um dia, ao meu lado, dentro e fora? E sentir que eu posso ser para o outro o fio que rompe com a seca, umedece os lábios, dá de beber e toma para si - a goladas - as correntezas todas que livram o amor de suas próprias amarras? Posso eu sentir? De repente, sinto porque não posso, mas quero porque sempre quis, mesmo sem poder.
Há sempre alguém, mesmo sem existir o nome, o endereço, o tamanho dos pés e a cor dos pelos. Há sempre alguém dentro de mim.
Custa muito amar, daí nasce o desejo. Amo porque quero queimar o sentimento. Desejo consome, esfarela e acinzenta todas as cores. Tudo vira cinza depois do beijo carminado. Tudo some. Fica o rastro, só. Amo desde muito novo, e de muitas formas amei. Sozinho, em todas elas. Amo porque não me obrigo a sentir. Sou pego de surpresa, todos os dias, pela minha capacidade de renegar uma força tão genuína e, ainda assim, pulsá-la nas sutilezas e detalhes do cotidiano. Na superfície, reflito o céu. No fundo, aflito, quem passa é o tempo. Eu fluo.
O que eu quero. Ser rio. Pra alguém além de mim.