Deixo o azul escorrer pra sentir a espinha gelar. Daqui do alto, eu vejo as luzes da cidade e elas, da outra ponta, também conseguem me enxergar. Brilhamos distantes, como toda beleza deveria ser. Brilhante e distante.
Olho e sinto, como se o tom tivesse mesmo o dom de me tocar. É frio, mas é bom, não corta, mas também não faz carinho. Ao mesmo tempo que me dá vontade de fazer absoluto silêncio, ele, o tom, passa da cor pro som, e me faz ouvir o movimento do sono no ar... É como se fosse uma lenta respiração de todo o planeta adormecido, cujo barulho de “inspira e espira” praticamente soasse tal qual uma canção de ninar.
Ali, em meio àquele azul todo do céu que cobria a cidade, eu lembrei que quando era criança, acreditava que o sonho nada mais era do que ser levado para o topo do universo pela própria cama e se cobrir com as estrelas todas. Sonhar, pra mim, era estar no céu, coberto de azul, brilhando distante. Pensando aqui, agora, como é que a gente se perde tanto ao crescer e não mais crer nestas explicações para os fenômenos mais simples da existência? Sei lá, viu... Sei lá.
Cometi o erro de tentar pensar na vida hoje e hoje mesmo eu desisti. Não da vida, mas de pensar em como ela seria. Tudo frustra, justamente porque exige de mim o que eu mesmo jamais exigiria. Vem de fora, de pessoas que nem conheço, vem de uma voz que não me soa familiar. Por isso que eu vim para cá, bem no pico de sempre, ficar ausente lá embaixo.
Aqui o azul predomina e resfria meu rosto como sopro bom pra tirar o ardor de machucado, o roxo do olho, o vermelho do sangue pisado, e fazer casca no ralado... É bem assim que eu quero ficar, pelo menos no que sobrou do dia. Só que você me mandou mensagem dizendo que estava chegando.
- Trouxe algo pra você relaxar.
- Eu disse que estava nervoso?
- Se não disse antes, acabou de dizer agora.
- O que é?
- Música. “Bad Dream/No Looking Back”.
- Só ela me faria subir até aqui pra ver sentido em todo esse horizonte sem propósito aí na frente.
- A vista aqui é diferente mesmo, né? A gente não consegue ver o tanto de cobrança que há ali por entre as ruas.
- Sim. Aqui, eu consigo ver cores nos sons, ouvir sons quando lembro de rostos, consigo entrar numa relação diferente com o tempo.
- Ele para?
- Não, ele circula. Vai e volta, dá um abraço de “oi” e logo em seguida um de “tchau”. Tô viajando nas ideias, eu sei...
- Até aí, normal, né? Eu sei do que você precisa.
- Sabe, é?
- Não só sei como te darei.
- Você tá ligado que se errar, as chances de eu nunca mais botar uma fé na sua capacidade de saber do que eu preciso são grandes, certo?
- Certíssimo.
- Então vai, diz aí do que eu preciso?
- Esmalte nessas unhas.
- Caralho... Pior que não tem como eu discordar de você.
- Pois muito que bem. Tô com a cor aqui.
- E qual vai ser?