quinta-feira, 20 de junho de 2019

VocÊu

Da última vez que nos encontramos, você disse que passava em frente a minha casa e se perguntava se eu estava - e se o atenderia caso me chamasse. Disse, também, que me amava e que não deixara de pensar em mim um dia sequer. Você estava incrédulo. Parecia não acreditar que eu estivesse vivo, ou melhor, que nós dois estivéssemos. Abraçou-me, ofereceu-me de sua cerveja, chamou-me para fumar. Sua sorte é que eu ainda tinha meio maço de Lucky Strike vermelho.

Fez exatamente como eu queria. Nossa vantagem - e, ao mesmo tempo, desvantagem - é que um lia a mente do outro como bula de remédio. O que não entendíamos, imaginávamos e acertávamos, no final das contas, achando que faria bem e curaria.

Voc sabia que eu queria aquele momento contigo. Digo isso porque sei que você só sabia porque também queria. Há um idioma não dito que é sabido só por aqueles que se atam nos laços invisíveis e, desprovidos de audição e visão, farejam no ar o que está sendo dito, saboreado e sentido. A gente se olhou e não se ouviu. Ainda assim, entendemo-nos. Faz sentido pra você? Faz.

Êu confesso que não sei explicar porque ainda sonho conosco. Não tivemos nosso estúdio, nossa banda, nossa casa, nossa mesa pra arrumar - não tivemos nossa família pra criar. Eu queria que você lesse esse texto pra sentir - como eu sinto - nós, na garganta. Só isso. Queria, não. Quero. 

Sei que ainda pensa em mim. Sei que me busca quando ninguém está olhando. Também sei que você sobrevive do seu orgulho e, ao meu ver, está tudo bem. É o que nos resta, não?

Eu só sei porque eu te sinto tanto quanto você me sente, hoje, sem precisar passar diante da minha casa e imaginar se eu estou e seu eu te atenderia caso chamasse. Você continua me chamando.

Eu continuo te respondendo.

Está tudo bem porque está entre nós.

VocÊu.

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