Meus joelhos viviam ralados na infância. Eu corria muito e não capotava. Porém, eu tropeçava demais enquanto andava. Isso porque eu não andava olhando pro chão: eu olhava pra frente, mirando o horizonte. Meu pai, que sempre implicou com tudo o que eu fazia, era quem saía comigo e já nos primeiros segundos de caminhada lançava um: "Olha pro chão, rapaz! Vai tropeçar e cair aí".
Eu abaixava a cabeça e olhava pra porra do chão. Não via muita coisa além do caminho de barro, asfalto, mais um teco de barro, asfalto, esgoto, barro, asfalto, pula a merda do cachorro, esgoto... O que mais me irritava era, primeiro, meu pai, depois o fato de ter que andar de cabeça baixa. Eu queria andar igual minha avó, mãe de meu pai, cabeça erguida, postura intacta, passos compassados. Só que com ele não tinha o que querer. Era andar olhando pro chão pra não levar xingão.
Uma vez, tinha saído com minha avó e falei pra ela que o pai vivia me dando bronca pra andar olhando pro chão porque dizia que eu iria cair se não olhasse e isso me irritava. Ela perguntou o porquê da irritação e eu disse que não queria andar de cabeça baixa porque parecia que os outros iam achar que eu estava com vergonha deles. Daí, minha avó, no auge de sua sabedoria, disse:
- Seu pai pediu pra você baixar os olhos, não a cabeça.
Nesse momento, tudo fez sentido. "Olha pro chão". Hoje, ando exatamente do jeito que - ambos - me ensinaram: cabeça erguida, visão baixa.
Por que resgatei essa lembrança? Porque hoje, enquanto conversava com um amigo querido sobre sentir que nós, enquanto povo, estamos andando para os lados e não para frente, pensei: tudo isso porque estamos mirando o horizonte sem prestar atenção em nossos passos e onde estamos pisando. Porque, ao mirar apenas o além, não conferimos sobre quais caminhos estamos andando. Consequentemente, passamos pela estrada dos outros - uma espécie de labirinto que nos impede de progredir. Gastamos nossas energias tentando resolver o problema que os outros criaram. Andamos de um lado pro outro.
A gente capota, levanta e acha que anda pra frente. Entretanto, na verdade, só estamos limpando os joelhos ralados e não olhando pra onde deveríamos realmente olhar.
Pra nossa caminhada.
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