segunda-feira, 10 de abril de 2017

Páginas Pretas III

Há exceções.
Há momentos em que não somos.
Nestes momentos, eu me encontro, novamente, angustiado.
Todos estes anos e tudo o que desejei era o que ninguém mais queria:
uma vida normal, uma vida simples, rotina.
Cada dia, um drama, um tiro, um grito, uma panela batendo.
A mãe gritando, irritada, sempre pronta pra partir pra cima.
Batendo.
As marcas ficam, não na pele, mas no espírito.
A alma fica roxa, machucada, assim, cismada. Não confia.
Vazia. Confina. 

Fiquei sozinho te esperando não chegar. Há exceções, menos para o esquecimento.
Fui jogado no limbo do descaso, na noite em que tínhamos algo marcado.
Marcou, mais uma vez, a alma.
Passo sobre o viaduto, olho para a longa linha de carros a rabiscarem de luz o asfalto.
Paro, logo, penso: além de mim, quantas pessoas passaram aqui hoje pensando em pular?
Sanidade, cidade, noite, abandono, eu por eu mesmo, no caminhar, voltei pra casa
Pelo menos o caminho eu ainda sei.

A transição da sensação me muda. Desloca, muta. Perco o endereço, o CEP, não sei.
Só sei que é fúria. Três faces da mesma moeda, sem cara, nem coroa, três irmãs.
Furiosas.
Não tem grito. Não tem briga. Não tem soco. Não tem tiro. Silenciosa, a fúria se faz assim.
Corrói o vácuo, arranha as paredes do vácuo, estilhaça as vidraças do vácuo.
Ela ocupa, toma conta, sem dizer nada. Ela se espalha.
Há exceções. Menos pro excesso de nada.

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