Depois de muito tempo, o garoto viu o dia amanhecer. Seu corpo estava cansado e a mente distante. Mas os olhos lhe fizeram prender a atenção no vasto horizonte, tão desconhecido quanto o sentimento que se expandia dentro do peito.
Esqueceu da fome e do frio. Umedeceu os lábios com o pouco de saliva que ainda lhe restava e respirou profundamente. O perfume da terra devolveu aos limitados pulmões a vitalidade que há tempos havia abandonado aquele pequeno corpo. Neste instante, percebeu que o passado nada mais é do que a chance de modelar tudo o que um dia aconteceu, e que hoje pode ser apresentado de uma forma diferente. Mais leve ou mais pesada. Ele não apresentou nada. Escolheu fazer de seu passado apenas passado.
A grandeza do presente tirou de suas costas o peso do mundo. Deu-lhe alguns instantes de paz. Era a desordem em seu coração encontrando o equilíbrio com a organização da mante. Deixava de ser um para integrar o todo. Perdeu o nome. Era apenas ele, "eu" e também "você". Transbordou de si mesmo. E se em algum momento não foi ouvido por quem o rodeava, agora tinha a chance de falar. E falou.
"E que neste caminho encontre o novo dentro do novo. Que cada passo faça valer toda a carga que carreguei. Em silêncio, fiz minha reivindicação. Em silêncio, abaixei minha cabeça não para expressar submissão, mas para que meus ouvidos ganhassem o lugar da boca. Em silêncio, pus-me de joelhos não para implorar, mas para descansar os pés que conheciam mais a leveza do ar. Fiz o que senti que deveria ter feito, com toda a dor que me era de direito.
Olho para esta linha dourada que corta as montanhas e sinto que nada foi em vão. Na busca pela minha utopia, encontrei o que havia de mais valioso no caminho: o caminhar. Andar é escrever com pegadas as muitas linhas desta página em branco, chamada por muitos de "vida". Cada passo, um compasso novo para as batidas do meu coração. As lágrimas imitavam a chuva: lavavam meu rosto seco, enquanto dos céus caía a benção da terra. Mas em dias ensolarados eu também chorava. Eu também chovia. Entretanto, o que se formava era uma mar de alegria sobre a fina areia que tinge minha pele com um tom amarelado. A maré subiu. O rio se formou após o banho pluvial. Havia - e sempre houve - água o suficiente para me ensinar que "transbordar" é necessário. Traz vida para quem já vive e viveu demais.
Cansado, mas satisfeito. Contente por ter negado todos os pedidos de morte que minha mente fez ao restante do corpo. Porém, sei que este desejo fúnebre ainda habita o meu ser. E também sou feliz por isso. Sinto que ele me traz a noção da finitude. Risca o contorno que define até onde vai a existência e até onde deve ir a insistência. Foi assim que aprendi a deixar pelo cominho tudo aquilo que não entendia o fluxo natural do tempo.
É... é bem isso mesmo. A gente vive pra se desgastar ao longo do caminho. Vive para morrer mesmo. Morrer e deixar pegadas. Não para que os vivos as sigam, mas para que contem diferentes histórias sobre quem as deixou ali.
Como uma sábia mulher me disse em tempos de partida: 'A gente só vive pra sempre na mente de quem nos ama'.
Depois de muito tempo, vivi o amanhecer."
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