segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O que a chuva me trouxe



Escolhi sair de casa o quanto antes, pois já não havia mais ar. Os pulmões reclamavam e evitei a despedida. Não conseguia escrever uma palavra e, por este motivo, o que lhe restou foi a ausência de explicação.

Cada fragmento da infância queimava no peito. Caminhadas sem rumo e dias conversando com o vento. Sempre pedia para que ele me trouxesse a chuva. Parecia que além das nuvens os pedidos ganhavam forma. Era como se eu deixasse de estar no nível mais baixo e os pés finalmente abandonavam o chão. No quintal, repleto pelo verde do musgo que crescia nas beiradas das paredes, eu passava as horas envolvido pela atmosfera surreal, sem nem ao menos saber o que isso significava. Via nos galhos de árvores e pedras tudo o que precisava para criar um novo mundo. Eu não governava, mas observava minhas criaturas e seus conflitos. Sempre soou familiar.

Lembro-me do dia em que a noite chegou mais cedo. O céu escureceu e a terra exalou seu perfume. Descalço, senti o solo mais frio e o sopro do vento fez minha pele se recolher. Começou a chover e, inutilmente, tentei conter a lágrima que escorria. Eu não sabia o que isso significava. Sentia nas gotas de chuva uma paz inominável.

(...)

Aurora


"Não há luz que consiga evitar o reflexo da água. Não há terra que consiga mudar seu fluxo por inteiro. De tudo o que criei, foi a chuva que recebeu a bênção da vida. Despejei em sua essência o que havia de mais puro em mim. O amor".

Varuna


"Quando surgi, fui apresentada a uma terra seca e abandonada. Caminhei por muito tempo e só o que vi foram cicatrizes deixadas pela minha ausência. Mas eu não sentia pena nem tristeza. Estava estática e alimentada por uma antipatia profunda. Nada me comovia, nem mesmo o apelo daqueles pequenos seres.

Após alguns dias, voltei ao deserto e percebi que a vida ainda resistia. As criaturas lutavam para que o último fio de esperança não se perdesse em meio a tanta poeira. O que me encantou não foi a cena decadente nem mesmo a culpa que sabia ser minha. O que me encantou foi a capacidade de resistir e ainda assim pedir por mim sem rancor.

Toquei meu rosto e percebi que os olhos estavam molhados. Chorei. Deixei chover. E choveu muito".

(...)

O guarda-chuva foi responsável por te colocar ao meu lado. Seus sapatos estavam encharcados e eu não pude evitar o convite. Em silêncio, caminhamos pela cidade, que mais parecia um jornal molhado. Em seguida, muitos anos. Momentos marcados pela água que caia dos céus. Parecia nosso ritual e a única coisa que de fato nos pertencia. Podia chover sempre... Nos casamentos, nas festas, nos feriados. Podiam reclamar e praguejar. Nós sempre encontrávamos um lugar onde fôssemos bem-vindos.

E um dia ela passou. Você decidiu partir. Não havia mais a magia no som das gotas atiradas ao chão. Ainda assim, não restou tristeza, mas a forte sensação de que havíamos lavado nossas almas. E para as feridas, a água doce da chuva não ajudou. Eu fui buscar o sal do mar.

A chuva me trouxe o eterno. E todas as vezes em que ela chegar, estarei novamente em contato com você. Somos pequenos pedaços do infinito. Não sei o que isso significa. Apenas deixo ela cair sobre mim e se fundir com as lágrimas. Chorei. Deixei chover. E choveu muito.

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