segunda-feira, 14 de julho de 2025

O arranhar

Da horizontal, a visão é totalmente diferente. O mundo verga. Interessante que, mesmo ele, o mundo, caído como eu, parece ser algo sempre infamliliar. Encaramo-nos, eu e o mundo, sem saber o que dizer um para o outro. Talvez seja o arranhar por dentro - aquela sensação oblíqua - a erupcionar ele, o mundo, e a mim causar a febre interna da carne viva escondida debaixo das unhas.

Deitado fico. Por horas, sem luz, sem qualquer pensamento que me fizesse levantar. Há o peso, sim. Sempre há. Só que na horizontal o medo parece explodir e se espalhar pelo peitoral que eu mal tenho. Pelos ossos cobertos por fina pele. Medo de não conseguir levantar agora até que, quando chegar o sofrimento irreversível a torcer o que resta de homeostasia, bem... Aí querer andar; aí querer correr; aí querer pouco antes do fim.

Dói a covardia de não se viver justamente porque bem vivo está. Se dói, então só pode ser doença. Qual seria? Já tem nome, provavelmente. Mas qual seria? Que doença é essa que faz doer a vida porque se vive sem dor, mas doído? Então, oras, o remédio é o infortúnio do tempo? É isso. Quando finalmente doer, finalmente viver-se-á.

As pequenas mortes, como gotas de uma fina chuva a antecipar a tempestade. Trocar o amor pelas drogas. A presença pela desculpa. A noite a dois pelo texto. A inspiração pelo ponto-final. Depois trocar as drogas pelo sono. Novamente, na horizontal a visão é totalmente diferente. Penumbram-se os olhos para outra pequena morte. Troca os beijos pelo bocejo. Hoje eu não fui porque hoje quis ficar.

Quando finalmente doer, eu vou. Por ora, só arranha. Mistura o prazer do esmalte com o incômodo da ferida. Rubros, ambos pelam à flor da pele.

Se ainda dói é porque está vivo. Quando finalmente sarar, finalmente, na vertical, avistar-se-á.