Meia volta da partida. O chegar e se despedir. Começando a terminar. Um sistema imunológico de gramática reativa na qual não se faz nariz de cera nem flor à pele, tudo é pontual, conciso, marcado para já estampar o pano de fundo e proteger o cenário. Se veio é porque vai. Se apareceu é porque desaparecerá. Se acolheu, abandono é.
Bastou um silêncio.
Quando diziam "o tempo vai virar", era necessário conjunto de sinais. Cheiro de terra evaporando do chão seco suado de si, vento morno, vento frio, agitação das árvores, os bichos se recolhendo junto das roupas no varal, a gente esperando o que já sabia. Depois de muito barulho, o silêncio que precedia a tormenta. Só que era diferente de tudo o que já se podia ter sentido. O um silêncio que basta é aquele que não se deixa perceber porque de barulho não foi feito. Não teve que calar nada. O silêncio que basta é aquele que dá início ao silêncio que muito dirá. É um calado que fala demais.
A mente sonha com respostas. Ela sabe que o consciente precisa de um apoio qualquer. Reúne, então, em seu salão de festas e tragédias o antagonista. Caberá ao inconsciente rabiscar explicações tal qual se costura o discurso de um rei a beira da loucura. Tenta lhe passar racionalidade por meio das palavras, mas sabe que a própria ação de escrever para insanos é, também, atestado de insanidade. A quem se quer enganar? Ao louco que deveria ser são? Ou ao louco que acredita ser possível gozar de qualquer sanidade? E dá para gozar com sanidade? Loucura. Barulho. Sonho. Algumas respostas.
Veio, mas por que foi? Precisava mesmo? Sempre precisam. Há justificativa. Crianças são preparadas para o mundo. Aprendem desde cedo a lidar com diferentes faltas que irão lhes preencher. Uma delas é o abandono. Existem as que aprendem a manter as companhias sempre por perto. Outras conseguem ser autossuficientes e, por isso, atraem quem deseja se aquecer junto de calorosa confiança. Abandonar antes evita de ser abandonado, concluem aquelas que não se assemelhavam às mais sociáveis. No meio do jardim, um botão não abria nem fechava. Já tinha cor, mas escondia as pétalas. Estava no meio entre crescer e se manter muda. Bastou um silêncio. Há crianças que vivem as companhias, que se conectam, que sorriem, florescem, mesmo sabendo que tudo irá acabar em abandono. Seu pavor não vem do fim, mas de não aceitar que ele virá.
Quando se aproxima demais, sente o cheiro. E o cheiro sentido também sente quem o sentiu. Perfumam-se. Quando a essência é nova, marca mais. A todo segundo ela reaparece nas narinas e traz memória. Depois se torna banal, some, vira cotidiana. O cheiro sentido não desaparece, mas quem o sentiu sim.
Se vai, por que não foi logo? É confuso entender os ponteiros do relógio quando se é novo na arte das horas. Falam que passa rápido o tempo bom, demora o da ansiedade. Se ele faz tão bem, se com ele os segundos são, de fato, aqueles depois dele, como aproveitar o presente que, despido do embrulho, dá-se ao regalo do abandono? Foi um silêncio só que anunciou um adeus sabido. O medo é de não aceitá-lo. Por isso sonhamos.
Todos vão embora na hora certa.
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