O toque. Sentia falta do toque. Enquanto ouvia o som a rasgar lentamente meu peito, passei os dedos sobre o telhado das mãos... Estiquei a pele e vi veias. Por conta dos montes de dias comuns, parei de contar os de crise, deixei de contar aos amigos, guardei para mim o que nunca quis, mas aprendi a aceitar. Todos estes anos e eu, hoje, toco minhas próprias mãos para lembrar que escapei de toda a ajuda, todo o tratamento, toda a orientação capaz de me fazer menos eu, mais comum, feito os tais dias. Feitos para serem esquecidos. Ou nunca contados por outrem.
Perguntei-me, “imagine se eu fosse contar a vocês tudo o que já vivi?”. Instantaneamente, as imagens reviraram na cabeça. Estilhaços e mais estilhaços lançados contra meu rosto de dentro, aquele que, mesmo no escuro de pálpebras fechadas, é obrigado a me encarar. Eu vi tantos momentos, preso neles, ou agarrado a eles, às vezes buscando por eles e, ao não tê-los, imaginando-os, eu me vi vendo. Como não consegui me destruir por completo? Não cabia a mim tal tarefa. Ela, que ainda me corrói sem descanso, é quem dará cabo desta tarefa.
A tarefa de angustiar.
Não deveria eu rememorar o passado e sentir de bom grado o gozo dos que venceram a si mesmos ainda que a miséria da própria mente posasse junto às fotos, sorrindo sem os dentes? O teatro que a melancolia montou não me deixa. Na encenação dos meus fracassos, faz-se a verdade que nunca superarei: sou eu quem fecha as cortinas antes dos aplausos, pois diante dos outros, o que espero são vaias. E se elas vierem, serei capaz de confrontá-las. Construí-me assim, ensaiei as falas todas. Agora, se forem palmas, se por acaso me ovacionarem, aclamarem minha existência frágil e rascunhada, meu ensaio, minha certidão de encerramento, meu final, o que farei? Não saber me mata, seca-me o sangue. Eu não sei o que fazer quando me colocam diante daquilo que os ofereço: o melhor de mim no pior personagem que eu poderia fazer.
Preparo-me demais para, fatalmente, sabotar a peça.
O toque ainda me falta. Peço por ele, antes de dormir, no lugar da oração. Há de ser sempre um pedido silencioso, tímido e quente. Quase como colocar as linha da vida sobre a chama da vela. O limite entre dor e prazer se resume à simples necessidade de lembrar a si mesmo, ainda que se arrastem os dias comuns, de que se sente. Dor ou prazer se sente.
Comigo, arrasta-se ela. Conosco, vamos um com o outro, até que o toque nos separe. Feitos para serem esquecidos. Ou nunca contados por outrem.