Dias secos. Com a poeira do passado sendo soprada pelas bocas desconhecidas, resta-nos fechar os olhos para tentar nos proteger da aridez da realidade. O ontem não se resolveu, e veio cobrar do hoje a solução.
Ao seguir o ritmo do tempo imposto, calendário balança feito roupa no varal. Começa se movimentando lentamente por conta do peso da água, depois, com o calor, seca e passa a se mover compulsoriamente, descontroladamente, livremente. Tempo livre feito roupa no varal, presa apenas pelo compromisso de continuar servindo. Cabendo. Dia após dia.
Um após o outro, a folhinha na parede nos recorda: sirva e caiba.
Quando paro, no instante em que a boca do prendedor afrouxa e posso sentir meus ombros novamente como meus, confiro quantas marcas meu rosto ganhou. Uma aqui, outra ali, vão se encontrando. Se olho para o céu, elas parecem camisa amassada. Se baixo a cabeça triste a ponto de me enrugar mais, deparo-me com o espelho trincado, refletindo as rachaduras do chão - agora na cara - seco, árido, lembrando que o pisar das solas secas no que pela manhã lavei enquanto rosto não pararia no amanhã.
Um após o outro, seria assim, dali em diante, todo vez que acordasse, alguém me pisaria a face - fosse pessoa ou o tempo mesmo.
Trabalhar com a ponta dos dedos dando ordens, com o restante de mim obedecendo, com a cabeça queimando a própria moleira e o coração sentado numa cadeira da cozinha, quieto, sem pegar uma maçã ou banana, apenas olhando a mãe limpar para, depois, conseguir lhe comprar maçã e banana. Pequeno, ele fica lá, esperando ser grande o bastante para trabalhar também. Para poder dar de comer à mãe. Dar amor.
No fim, antes de a noite esfriar o lombo, mexo um pouco na terra já umedecida pelo suor. Salgada, luta para que não sequem os brotos antes mesmo de saírem em busca do sol. Não é falta de água nem excesso de sal. O que lhe seca são os dias.
Um após o outro.