quarta-feira, 3 de junho de 2020

O menino mais leve que o vento

Quando foi a última vez que o ar acariciou o rosto ao invés de bater nele? Quando foi a primeira vez que se sentiu como o vento – livre o bastante para não ir, apenas ocupar o espaço vazio, suavemente, como brisa leve? É tanto pesar dentro da mente onde os pensamentos deveriam apenas flutuar feito nuvens e, leve como elas, apenas deixar chover ideias, que dá vontade de soprar a cabeça como se assopra um machucado. Em que momento o tempo fechou dentro de si e aquilo que chamava de alívio se tornou sufoco? São muitas perguntas para respostas ainda indefinidas, mas querer saber faz sair pelo mundo – de dentro e de fora – em busca de algo que encha novamente os pulmões. Algo que dê fôlego.

O ar, o vento e a necessidade de sentir o sopro da liberdade arrepiar os pelos do braço. Um misto de alívio com risco. Algo parecido com o medo de ser feliz – ou o medo de não aguentar a felicidade. Há quem fale sobre leveza, porém, não é toda hora que os ponteiros da vida permitem relaxar. Cada segundo passado parece uma vida perdida. O peso dos dias corridos, talvez, seja o que faz do ar, do vento, algo angustiante, já que não se pode tocá-los nem sentir, por um instante, que a liberdade está em suas mãos. Livre o bastante para se manter preso nas próprias escolhas – estas que, por sua vez, nunca são livres o bastante.

Do berço cair, pelo chão se arrastar, nos móveis buscar apoio e nos olhares equilíbrio. Erguer-se, desde pequeno, é um ato de coragem. É o primeiro contato com o peso, tamanho, com a densidade de algo que se carregará para o resto da vida: si mesmo. Se mesmo nos primeiros anos já se pode superar a gravidade da situação que é nascer neste mundo, por que se perde na poeira das expectativas não vividas justamente aquilo que se há para viver? Se pequeno se levantou, por que grande não caminha? Por que gigante não alcança? Por que alto não enxerga além do baixo muro da realidade aparentemente intransponível? Mais perguntas, menos respostas. A mesma necessidade de fôlego.

Respirar o ar. O próprio ar. Quando foi a última vez que o fôlego veio do âmago e não do boca-a-boca alheio? Quando...?

Há dias em que as lembranças guardam as verdadeiras respostas para as tantas perguntas que o vento traz.  Nestes dias, há de se encontrar entre as fotos bagunçadas nas gavetas da memória aquilo que, em situações sufocantes, fará toda a diferença: o respiro.

Inspirar e espirar. O subir e descer do peito será a prova que ainda há vida mesmo no corpo cansado; na mente exausta. Trata-se de jamais prender a respiração novamente.

Trata-se de libertá-la. Finalmente.

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