Hoje preciso passar as mãos pela minha cabeça raspada e me sentir. Usar as pontas dos dedos para reforçar os traços sobre meu rosto. Quero despertar e me olhar profundamente nos olhos... Buscar nestas duas pedras escuras o infinito breu que me preencheu todos estes anos e do qual nunca tive medo. Sentir-me. Há tempos não me sinto e o corpo cobra. Nos dias mais escuros, eu permaneço noite sem fim em mim.
Quero olhar para as minhas mãos e reconhecer minhas mães, bisavós, avós. O torto dos dedos indicando a direção que o tempo tem tomado e para onde tem me levado. Os lábios, o nariz, a altura, o peso, todos eles e elas me compondo como música de letra decorada de coração. Hoje eu preciso de “eu”, mais do que sempre, pra lembrar onde escondo as melhores partes de mim. Preciso daquele encontro marcado pelos passos silenciosos de quem nunca teve dificuldade em andar nas pontas dos pés, como se um salto invisível lhe projetasse para o mundo afora - para outra dimensão.
Nas baixas criadas pela depressão que muitas vezes lembra à leveza que nem ela está livre da gravidade de sua existência, levantar é uma luta pela sobrevivência. Deixar que a água caia sobre cada parte do estilhaçado espírito vestido de gente deixa de ser algo cotidiano para se tornar uma exceção à regra básica de segurança: não sair do vácuo que “protege” minha vida de si mesma. A caminhada de menos de 6 segundos até o banheiro transforma-se numa estrada cheia de armadilhas prontas para ceifar o pouco de vontade que ainda resta no fundo do poço. Puxo a corda, sobe o balde, vazio, e eu não posso me saciar. Então, é neste momento que eu me lavo pra longe da sujeira que levei um tempo para enxergar. Luta, água... renovação. No escuro, depois de ter me enxugado, volto a sentir o aperto no peito, mas ele já não faz tanta pressão.
Não abro a janela. Não deixo a luz entrar. Não permito que o som quebre o silêncio. Assim fico, em órbita, pairando pela massa negra do espaço entre um querer e outro. Permaneço coberto com a colcha de estrelas que o universo deixou gravadas na memória. Brilham rostos, sorrisos, vozes distantes, cheiros, gostos, toques... As memórias me cobrem e o aconchego da solitude invoca um bocejo de exaustão do espírito. Um sono diferente desperta meus sentidos para outra esfera da não-consciência. É nesta hora que acordo pra vida – aquela que pesa, dói, angustia e só alivia quando eu, encolhido feito um planeta ensimesmado no próprio eixo, sussurro de meu universo particular...
Hoje eu preciso de mim aqui. Só de mim... como poeira no cosmos, dançando sem música.
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