sexta-feira, 12 de junho de 2015

No fundo - entre o céu e a terra



No fundo de um táxi estavam os dois garotos. Os dois Vinicius. Um com acento, outro sem assento, espremido entre a timidez e a curiosidade. Envolvidos pela esfera misteriosa e convidativa da noite, trocaram poucas palavras - mas das poucas, muitas viriam a ser sentidas, ainda que mal ditas, entre elas, a "distância", à distância.

Castanhos

Ele não era daqui, nem de lá, era de longe mesmo. Magro, pequeno, mas com aparência de ter a carne dura. Olhava para baixo, para os lados e às vezes para mim. Captei por alguns segundos seus olhos escuros, profundos como o universo - uma janela para o que havia debaixo do seu peito. Chamou-me a atenção pela forma silenciosa em que sussurrou qualquer coisa nos meus ouvidos e, aos poucos, ressonou dentre de mim como música boa. Eu sabia que duraria tempo insuficiente para que a vida tomasse qualquer gole de rumo e nos juntasse de vez. Eu sabia que era só detalhe, que era rápido demais, que não deveria funcionar assim. E não funcionou, de fato. Mas os melhores momentos que tivemos foram justamente os que não estivemos. Em locais diferentes, achamos um em comum: o do bem-querer. Do meu me quer, tanto quando bem te quero. Eu virei carta, avião de papel, desejo, sorriso sem som, virei letra e então silêncio. Virei tanto que dei uma volta na minha própria vida e reencontrei ele novamente. Ainda com olhos castanhos. Ainda profundo como no fundo do táxi.

Azuis

Antes mesmo de entrar no carro, havia percebido uma movimentação que fazia vibrar as camadas superficiais da pele. Parecia que Zéfiro soprava meus pelos e os deixava em estado de alerta. Captaram, então, a fonte das ondas atraentes: um garoto. Camiseta com desenho egípcio, pele diamantística, sorriso largo e um par de pedaços de céu ocupando o lugar dos olhos. Não sei se ele me viu, mas eu me vi com ele. Entretanto, sou terra, sou pé no chão e acostumado a caminhar pela realidade sem procurar no alto das ideias alguma abstração - alguma vontade atendida. Desviei meus pensamentos e desejos daquele moço rodeado de amigos. Não foi o bastante. Mesmo o atalho que levava direto à racionalidade não conseguiu me tirar da estrada labiríntica pela qual escorrem os quereres. Lá estava eu, apertado no banco do táxi, ao lado dele, antes longe e impossível, agora trocando perfumes comigo. Depois disso, um laço delicado foi atado. Frágil, mas resistente. Eu quis, dessa vez, abstrair da realidade, sim. Quis esquecer da distância, do outro dia, da volta, da passagem comprada, dos dias que seguiriam nublados, sem dois céus pra me perder nas ideias que mais pareciam roteiros de filme... Quis fingir que a música seria a mesma coisa ouvida no "mono" de mim mesmo. Mas não foi, eu que fui. Voltei, virei letra, lembrança, coração no fundo da caneca... Tentei encurtar o tempo, cultivar o desejo sob controle, mas sou terra. Fico firme, estático e pronto pra não ser nada além do chão de mim mesmo. Onde caio, quebro a cara e recolho os próprios cacos.

No fundo, ficamos. Mas eu volto, prometo que volto, pra mostrar que há muito mais entre o céu e a terra do que uma noite de (des)encontros.