Esse meio tempo, meio corrido, meio escorrido, parte em vários o homem que sou. Um grão de mim que grita pela liberdade plena e o desejo ácido, outro que se esconde na orla de gente, vagando feito poeira pelos olhos dispersos e aquele que passa por último na goela da ampulheta - sentindo a vida mudar de lado sem nem se quer avisar. O homem construído por outros homens, desconstruído pelo homem que é e reconhecido por outros homens despedaçados. Unidos pela falta de liga, pela vontade de se fazer parte do punhado sem que alguém os separe. Grão de feijão escolhido a dedo para morrer com os seus diferentes no paladar daqueles que os têm.
Continuam apertados os olhos. As quinas do mundo perdem suas linhas, os limites do espaço viram pó também. Tudo se esparrama na mesma mancha amorfa. Acomodo-me no nas prateleiras do todo completamente descolocado - e sem nenhuma palavra, nenhum som. Fico ali, sozinho, numa paz particular, como se fosse um ponto final nas linhas tortas escritas por deus ou quem quer que escreva.
Intangível. Ninguém consegue me tirar desse coma. Sinto vontade de gargalhar todas as vezes em que aquelas mesmas mãos anêmicas tentam me puxar para a existência e comer minha essência. Resisto. Querem mais de mim do que eu mesmo poderia me dar. Ficam esmolando atenção, acenos e toques. Não me alcançam e isso é incrível.
Não há luz no fim do túnel. Há mais túnel e mais profundidade. Há âmago, ego, fundo do poço onde posso descansar e saber que abaixo de mim não existe nada. Absolutamente nada. Conforto em deitar na única cama em que o sono pode ser pesado. Coberto de pesadelos.
Fim do túnel é sempre o recomeço em mim, uma jornada inconsciente pelo caminho o qual a razão não consegue iluminar e nem o amor alcançar. A estrada dos lobos solitários, sempre famintos, enxergando nas trevas a própria fome a desfilar. Segue adiante, porque voltar não adianta mais.
Não adianta um grão.