Acordei com o soluço das minhas vontades. Acordei, caminhei até a janela e olhei para o céu. Não esperava nada, absolutamente nada. A memória ainda adormecida me impedia de invocar a razão – detentora do meu nome, idade, cor dos olhos, número de celular e tamanho de sapato. Como num nascimento, levantei da cama despido, nu, perdido, sem palavras, só suspiros. Só língua não falada. E como num último anseio antes do pulo rumo ao precipício, deixei que a liberdade me dominasse por completo. De olhos fechados eu vi tudo. Presenciei algo que jamais havia vivido, de fato, nesta existência. Eu finalmente pude descansar.
“A liberdade
Meus olhos percorrem toda a estrada. Sua pele grossa feita de cascavéis conduzia ambos os corpos para o bote inevitável, o fim do caminho jamais anunciado. Estávamos envenenados pela toxina da liberdade e queríamos apenas o que nos foi prometido antes da mordida: a dormência.
Se o corpo pesa, deixe que caia. Se a mente pesa, deixe que se apague. E se o coração torna-se insustentável, deixe que parta. Foi assim que saímos, dispostos a encontrar um motivo que justificasse a ausência de nós mesmos. Algo para compensar os anos de angústia, de vida planejada, de frustrações garantidas e parceladas. Os anos de enganos, de passos e não de caminhadas, de fúria silenciosa. Um convite à anulação de si mesmo. Morrer em vida.
Preso às costas de quem agora me guia, sinto o corpo gelar a cada assovio da noite. E as estrelas que agora forram o céu guiam-nos para qualquer lugar. Madrugada sem lua, só rua, estrada longa que traga cada fumaça fugida do escapamento. Duas rodas, duas pessoas e tantas outras em nossas lembranças.
Hoje eu sou poeira, resto de vivência, rastro de insistência, de gente que passou, voltou, foi, mas nunca ficou. Sou calor que despenca pela avenida como estrela cadente, anjo caído que sinaliza com seu brilho o caminho da queda. Sou pecado original, puro, escuro, profundo, com asas que não servem para voar, apenas pesam nas costas. E me deixo guiar, deixo que você me conduza pelas montanhas, vales e desertos que tingem os dias de cores quentes. Dei-me como presente e maldição a liberdade. Fiz questão de ser livre para pertencer a quem me interessasse. Ser livre para pertencer. É isso. Mas não só isso.
O tempo, quando estamos felizes e plenos, escorre como néctar pelos cantos dos lábios e, quando a garganta seca novamente, deixa um sabor inesquecível. Algo como o gosto da saudade.”
A luz morna do sol recém-nascido despertou-me do sonho. Minha pele foi banhada por um dourado inconfundível: a coroa do astro rei reluzia nos olhos terrosos de quem a encarava. Olhei para o meu corpo, olhei para mim – de verdade – e gostei do que vi. Senti o sangue, o ar, as marcas na pele, o cheiro de gente. Era real. Deixei que os pelos se arrepiassem com o frio, é preciso sentir frio. Não fugi das sensações. Fiquei. Eu, ali parado, morri em vida.
“A liberdade
Meus olhos percorrem toda a estrada. Sua pele grossa feita de cascavéis conduzia ambos os corpos para o bote inevitável, o fim do caminho jamais anunciado. Estávamos envenenados pela toxina da liberdade e queríamos apenas o que nos foi prometido antes da mordida: a dormência.
Se o corpo pesa, deixe que caia. Se a mente pesa, deixe que se apague. E se o coração torna-se insustentável, deixe que parta. Foi assim que saímos, dispostos a encontrar um motivo que justificasse a ausência de nós mesmos. Algo para compensar os anos de angústia, de vida planejada, de frustrações garantidas e parceladas. Os anos de enganos, de passos e não de caminhadas, de fúria silenciosa. Um convite à anulação de si mesmo. Morrer em vida.
Preso às costas de quem agora me guia, sinto o corpo gelar a cada assovio da noite. E as estrelas que agora forram o céu guiam-nos para qualquer lugar. Madrugada sem lua, só rua, estrada longa que traga cada fumaça fugida do escapamento. Duas rodas, duas pessoas e tantas outras em nossas lembranças.
Hoje eu sou poeira, resto de vivência, rastro de insistência, de gente que passou, voltou, foi, mas nunca ficou. Sou calor que despenca pela avenida como estrela cadente, anjo caído que sinaliza com seu brilho o caminho da queda. Sou pecado original, puro, escuro, profundo, com asas que não servem para voar, apenas pesam nas costas. E me deixo guiar, deixo que você me conduza pelas montanhas, vales e desertos que tingem os dias de cores quentes. Dei-me como presente e maldição a liberdade. Fiz questão de ser livre para pertencer a quem me interessasse. Ser livre para pertencer. É isso. Mas não só isso.
O tempo, quando estamos felizes e plenos, escorre como néctar pelos cantos dos lábios e, quando a garganta seca novamente, deixa um sabor inesquecível. Algo como o gosto da saudade.”
A luz morna do sol recém-nascido despertou-me do sonho. Minha pele foi banhada por um dourado inconfundível: a coroa do astro rei reluzia nos olhos terrosos de quem a encarava. Olhei para o meu corpo, olhei para mim – de verdade – e gostei do que vi. Senti o sangue, o ar, as marcas na pele, o cheiro de gente. Era real. Deixei que os pelos se arrepiassem com o frio, é preciso sentir frio. Não fugi das sensações. Fiquei. Eu, ali parado, morri em vida.
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