quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Visto

Minha pele só servia para cobrir ossos. Meus cabelos, para proteger a cabeça do sol. O espelho, por sua vez, desenhava-me ao contrário, refletia-me ao inverso. Ao contrário eu me sentia contrariado. Eles haviam me vestido de um “eu” desconhecido. A vida havia. E eu não cabia. Prazer em não conhecê-lo.

Minhas pernas frouxas caem durante o caminhar e cinto nenhum – preso ao que sinto - consegue segurar a frustração de cada passo arrastado. Pesa o caminhar, pesa o contínuo fato de continuar vestido de outro alguém. Dizem-me: teu corpo, teu templo. Mas lugar algum é templo para quem nasceu em berço nômade. Nasci no vento. Sou feito de ar e não posso ser pó nem poeira. Só posso soprar. Não tenho para onde voltar. E sou. Insisto em ser o eterno órfão de vizinho. Nem a mim eu tenho. Meu templo é a Torre de Babel. Falo com a língua do corpo e ainda assim desconheço os gestos, as rugas, os excessos do que banho, enxugo, visto e deito.


Despindo-me, descubro que subcutaneamente que existo. Só não fui eu a me vestir. 

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