sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Quando o diabo sussurra

Você nunca chafurdou no mal. Não, claro que não. Você teme e treme, esfria e para, congela diante da porta – possibilidade e oportunidade. Confunde ódio com raiva, da mesma forma que chama paixão de amor. Aquece só com a patada na cara que disfarça e animosidade dividindo a palma em cinco dedos. Esquenta a cara, a face, a pele, o sangue, mas não toca o âmago. Ele continua frio, temendo e tremendo. Ainda não estamos falando de “mal”, muito menos de “eu”.

Violência, agressão, ferida exposta, ossos quebrados. Ainda não estamos falando de “mal”, mas do fim da criatividade. Ele, o mal, é mais astuto que isso – que as ações descaradamente humanas. Sorrateiro, filia-se ao silêncio e maquia a própria cara com o pó do descaramento. Retrata em si mesmo um rosto dócil e consciente, daqueles que têm o lábio umedecido com retórica. Tão sedutor que dispensa o beijo. Vale só pela contemplação e pelo desejo. Mal não é medo. Causa medo.

Não se toca o mal, nem se mensura, nem se deseja. Só se veste sem se ver. Tolice acreditar numa essência “má” ou “boa”. Essência é ausência - necessidade de espaço vazio para ser pano branco e intocável. Pano de enxugar louça e não pra lustrar chão. Pano feito pra ser pano e não trapo. Ele está ali, existe, faz seu papel – tão alvo quanto - de figuração, dita as regras, mas não se mistura. Não limpa mancha de sangue nem dá contorno à cadáver esquecido. Entende? O mal só está. Nós é que fazemos. E somos. Não maus, mas humanos. O mal, quanto não está, faz-se.

Calar vontade invoca o mal. Realizar vontade faz mal.

Mal nasci
Já desci
Para ver o que me esperava
na sola da pureza
nada
estrada
vida
placa errada
caminho imposto
desgosto
mal cresci
já sumi
para esquecer o que me chamava
tudo
família
vida
passada marcada
rua inóspita
esboços
mal escolhi
já perdi
pra aprender
que autonomia
não cabia
nem nunca coube
na alegria
verdadeira agonia
que anuncia o fim
de mim

mal acabado.

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