sábado, 15 de outubro de 2011

Odiar



O dia em que cheguei ao limite. Desisti do silêncio. Aquela foi a última vez que evitei o ódio. Respeitei-o sem pensar duas vezes.

Esperei até que viesse até mim. Com aqueles olhos em chamas - quase como dois rubis - você rasgou minha carne e me jogou no chão. Quebrou meus ossos e perfurou meus músculos. Ria alto e mostrava seus dentes como uma fera descontrolada. Destruiu meus lábios. Destruiu meu sorriso. E eu te observava com o olhos ensanguentados, vermelhos como os seus rubis. Aprendi muito durante aqueles poucos segundos de violência.

Olhava a sola do seu sapato e tentava decifrar os pedaços de mim que ficaram presos nela. Era o momento em que a dor já não podia ser sentida. Ela teve pena de mim e resolveu me abandonar. Eu não estava mais ali, fisicamente. Porém, tinha certeza que iria voltar. E voltei.

Quantas vezes não deixei de ser apenas mais um idiota a buscar formas de aceitar coisas mais idiotas ainda? Sentir-se culpado por não achar graça nenhuma nas piadas. Esconder-se no silêncio, no fundo da sala, nas roupas largas. Esconder-se no canto da quadra. Antes de dormir eu só pedia uma coisa: faça-me invisível por mais um dia... Só mais um dia. Um dia, alguém me ouviu.

Levantei e recolhi o resto da vergonha. O olhar não conseguia se erguer diante de toda aquela cena deplorável. Achei que tivesse no fundo do poço, mas descobri que podia ir mais a fundo. Algo molhado estalou no meu rosto. A saliva grossa escorria pela bochecha e o sal que lavou as feridas foi o das lágrimas que não conseguiram se conter. Terra, sangue e livros. Meus novos companheiros.

Quando cheguei em casa, apenas evitei qualquer objeto que pudesse refletir a imagem do garoto assassinado. Sim, já não existia ali o que antes atendia pelo meu nome. Sem nome, sem alma e se tiver alma, está agora esta coberta de terra, sangue e livros. Por um instante, senti que algo tentava resgatar os sentimentos que moviam o menino morto. Desejei apenas um abraço. Queria que o seu ombro sufocasse meu choro. Não tive. Não tenho mais nada. Tenho algo novo. Não perco mais nada.

Dez semanas deitado e em silêncio. A mente não existia. Resistia. Assim como o corpo. Odiava meus pais e toda a minha família. Odiava a raça humana. Odiei-me com todas as forças. Levantei.

Pelas ruas, eu andava na esperança de receber uma bala na cabeça. Achava que, finalmente, algo ou alguém terminaria o que aquele par de rubis havia começado. Mas não foi assim. Não existia alguém mais covarde do que a criatura proveniente da intolerância.

(...)

- Hoje, faço questão de ir te encontrar depois da aula. Faz tempo que não nos vemos. Tenho saudades, sabe?
- Eu também tenho. Preparei algo para você. Acredite, vai gostar...
- Sabe que não ligo para essas coisas de "ganhar" e tudo mais...
- Eu sei e não ligo para o fato de você não ligar. Então, esteja lá.
- Estarei.

No meu bolso, guardava aquele pequeno objeto prateado que mais parecia um fragmento de estrela. Ali, havia depositado todo o universo que preenchia o espaço do coração. Não gravei nenhuma data ou nome. Ali, registrei apenas o que importava: o sentimento sem nome.

- Você é pontual mesmo, hein?
- Sim. E então, o que tem de tão importante para me dar?
- Abra a mão... Não olhe ainda!
- Humm... Poxa! Isso deve ter sido caríssimo!
- Só isso que você tem a dizer?
- Claro que não! Adorei! Deixe-me abri-lo... Não acredito que você colocou essa foto...
- Não poderia ser outra. Este relógio de bolso irá marcar as horas que nos envolveram. E, sempre que você quiser encurtar o período em que estivermos distantes, não dê corda nele. Deixe-o parado, até que nos encontremos novamente. Essa fotografia é a prova de que o tempo parou no momento mais feliz de nossas vidas.
- Eu te amo. E também tenho algo para lhe entregar.
- O que é?
- De-me sua mão... Agora... Hum... bem, coube certinho!
- Você sabe que a próxima será dourada, não sabe?
- Sei. Até lá, compartilharemos do mesmo universo.
- Eu te amo, sabia?
- Sei.

Os olhos de rubi estavam ali, nas sombras. Esperou até que a última palavra fosse dita e então resolveu entregar a nós o presente que havia reservado. Sem pensar duas vezes, saltou em minha direção e me atingiu a cabeça com um soco. Pegou ele pelos braços e o chutou o estômago. Nós dois estávamos no chão, mas ele foi arrastado para outro canto. Lá, eu só pude ver o pedaço de estrela cair junto com a mão, agora morta e sem reação. Eu sobrevivi. Infelizmente.

(...)

O dia em que a dor sentiu pena de mim

Um passo. Mais uma facada. Dois passos e mais duas facadas. Olhos de pedra, coração preto e alma banhada com ódio. Boca amarga. Joelhos doloridos e ouvidos extremamente sensíveis. Estômago gelado, peito apertado e respiração fora de ritmo. Fora de tudo.

Olhei para aquela enorme caixa feita de carvalho e enfiei a mão no bolso. O relógio estava parado. A aliança só pendia no meu dedo. Eu estava só. Eu te amo, sabia? (Sei).

Sempre desejei ser invisível. Naquele dia, alguém me ouviu mais uma vez. Anulei-me.

Um comentário:

Débora disse...

Olá, você pode visitar e seguir meu blog?
www.viidadepapel.blogspot.com
obrigada!