domingo, 2 de janeiro de 2011

No control




Ainda tenho aquela mania de beber e ouvir meus discos sozinho, como se o remédio para toda dor fosse isso. Me sinto bem, porque não ouço nada além das músicas que gosto.

Troca de ano, tudo parece o mesmo e acho que isso é normal. Já faz tempo desde que decidi não criar expectativa. O primeiro dia do ano soa como mais um. Uma luta contra a memória que tenta ser eterna e o passado que insiste em ser presente. Mas a presença que até ontem me fazia bem, hoje desaparece como fumaça, poeira. Não ouço mais a voz nem sinto o abraço que protege.

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No peito, a tatuagem servia de rótulo para o coração: "No Control". Dizia tudo, a todos. O humor que oscilava como a luz fraca de seu pequeno quarto parecia guiar as frases dos textos que escrevia. Folhas e mais folhas amareladas, espalhadas pelo chão como se fossem o tapete. Os dedos estavam doendo e a unhas pretas por causa da tinta de caneta. Um cigarro e uma cerveja, o som que tocava servia de estimulante. A janela aberta lhe permitia ouvir melhor.

Quando um de seus amigos ligava para chorar as mágoas, ouvia todas elas com interesse. Queria encontrar ali o "ponto fraco" e provar para o parceiro que ele mesmo possuía a solução para seus problemas. No fundo, era um charlatão, pois ele próprio não resolvia os que tinha debaixo das caixas velhas. As fotos daquele passeio permaneciam no mesmo local, cuidadosamente conservadas. Prova de que não havia superado o passado, assim como não admitia que o presente só seria melhor se as imagens ganhassem vida mais uma vez. Talvez, ele tivesse que ligar para si mesmo e no silêncio da outra linha imaginar quais seriam os "conselhos".

De qualquer forma, uma coisa era de se respeitar: não sentia vergonha dos próprios sentimentos. Se tinha que deixar o orgulho de lado para dizer "sim" o deixava, com a força de quem partiria o mundo em dois para que tivessem um lugar seguro. Mas se fosse para se contradizer no mesmo instante e dizer "não" o faria sem maiores problemas, já que acreditava na intensidade das suas verdades completamente flexíveis e variáveis. Tornar-se alguém imprevisível o ajudava com clichês que tiravam a "graça" das relações.

Sabia conversar sobre qualquer coisa, mas gostava de poucas. Conversar se traduzia em ouvir e dizer algumas palavras enquanto pensava em outras coisas. A mania de olhar profundamente nos olhos do outro, como se o desafiasse. Enquanto palavras entravam em sua mente, os pensamentos modelavam situações diferentes, como se alternassem o espaço e tempo entre realidade e possibilidade. Se a amiga chorava as dores de outro amor, ele a via dançando feliz no meio de uma sala vazia, onde todas as músicas que tocavam eram justamente aquelas que a fazia pulsar. Se o amigo voltava com uma aliança no dedo, cheio de orgulho, buscava na mente aquela velha lembrança de quando o mesmo se dizia niilista e sem esperanças no amor.

Em outras ocasiões, suas projeções eram mais intimistas. Via a si mesmo andando pela rua com a companhia mais improvável. Adorava aquela sensação de que a qualquer momento levaria um tiro pelas costas. Tiro disparado pela arma da moral. Ele via a violência como falta de criatividade e isso só confirmava a visão que tinha de que as pessoas deixaram de ser inteligentes quando abandonaram a imaginação para apostar na reprodução mecânica das ideias. Imaginava como seria se pudesse estar com quem sempre quis estar. O mundo se tornava ainda maior, com lugares para todos os tipos de declarações e demonstrações de afeto.

O único momento em que sua mente parecia apagar ou pelo menos descansar era quando entrava em contato com o álcool. Beber virou sua atividade favorita toda vez que a necessidade de relaxar aparecia. Deixava de enxergar com os olhos e apenas a mente lhe guiava. Alterada pela substância, ela tirava os sentidos para dançar e os fazia girar, rir, suar, cansar e querer muito mais. Como serpente astuta, a mesma decidia partir e dormir repentinamente, daí o corpo deveria se virar para arrumar a bagunça. Quando estava caído no chão, sentindo que ia morrer, disse aos seus: "Eu gosto da sensação". Depois disso desmaiou.

São de tragédias e vitórias que se faz o homem. Suas glórias ganharão o valor de deveres monótonos e as derrotas passarão a ser o assunto central de suas conversas. O ensinamento sempre estará nos erros. Ele sabia que caminhava por vias erradas e muitas vezes desafiava o extremo, mas no fundo apenas provava para si e para o mundo que estar certo é apenas uma questão de opinião. Que ser herói sem nunca ter sido vilão é ser incompleto do mesmo jeito. E que ser completo é algo impossível, então nada mais justo do que fazer como a mente: dançar com os sentidos e os deixá-los quando a música acabar.

Ainda tenho aquela mania de beber e ouvir meus discos sozinho, como se o remédio para toda dor fosse isso. Me sinto bem, porque não ouço nada além das músicas que gosto.