terça-feira, 31 de agosto de 2010

Várias maneiras de dizer ...

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Nunca menti para você, sempre deixei bem evidente a minha timidez. Certo, você também nunca mentiu, fez questão de jogar sobre mim todas as suas intenções. Quando te via de longe, achava a garota mais pequena, frágil. Até que você chegou perto o bastante para mostrar que o pequeno na verdade era eu. Cabia na sua mão, assim como dentro do seu coraçãozinho selvagem.

Foram dias, semanas, meses de uma felicidade anestesiante. O tédio era ficar longe de você. A solidão estava casada com o maldito silêncio, intacto, que só desaparecia com sua voz. Estávamos felizes, isso é fato. Saber com quem contar, quando contar e não contar quando não quisesse dizer uma só palavra. Sentir-se completo, necessário, enfim.

Nunca segurava sua mão, achava estranho. E, por mais que você aceitasse eu sabia que no fundo torcia para que meus dedos entrelaçassem os seus. Resisti durante um bom tempo, até que fui eu a sentir vontade de segurá-la como se nunca fosse deixar você partir. Talvez agora meu coração estivesse apertado, nele só cabia você. Quase não tinha mais espaço para mim.

Te ouvia com atenção. Não tanto nas suas palavras, mas no seu jeito de dizer as coisas. Um olhar profundo, direcionado à alma, os lábios sempre mais lentos do que o som do que era produzido a cada frase, sim, tinha o dom de prender a atenção. Às vezes parava, ficava em silêncio por alguns segundos, arrumava o cabelo atrás das orelhas e me dava um beijo próximo do local onde as lágrimas escorriam. Eu me perdia nos seus braços, mais uma vez, pequeno.

Não sei aonde nos perdemos, não sei quem separou nossas mãos ou se fomos nós a privá-las da companhia uma da outra. Não sei, e nem procurei saber porque o amor de verdade transcende até mesmo o fim da convivência. Você está tão longe quanto eu, e ainda assim gasto linhas e linhas contigo, não porque te quero novamente ao meu lado, mas porque agora consegui recuperar o espaço que antes não tinha. Já não sou mais tão pequeno assim e você será sempre a lembrança de uma época em que um significava dois.

Te deixar tão livre foi a maneira mais bonita que encontrei de dizer que não te amava mais.

Várias maneiras de dizer "te amo".

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A concepção da Consciência

Concentrado, focado num único ponto. Sua existência se igualava a de um grão de areia no extenso litoral. Olhava para as próprias mãos, sujas de sangue. Tão pequeno, parecia vencido por si mesmo.

Muito antigamente, o universo não passava de uma voz suave, pairando pelo branco infinito. A ausência era a única presença existente. Contudo, um ponto de consciência lutava para ganhar espaço. Sem forma, sem cheiro, sem cor, o pequeno pensamento se concebeu como semente rústica e minúscula.

Nos primeiros momentos foi muito difícil encontrar um ponto de fixação. A mente em expansão tentava desesperadamente reunir qualquer detalhe para que dele fosse dado o primeiro passo. No entanto, o branco absoluto era implacável, frio, e o silêncio submisso se fazia de trilha sonora.

Percebe-se que, os primeiros sentimentos que existiram foram os de tristeza, solidão e desespero. E graças a eles, o grão de areia achou o início daquilo que nunca havia começado. Essas três sensações eram na verdade os primeiros traços coloridos. Uma pincelada no preto acabou com o branco absoluto. Essa cor era fruto da tristeza, sempre rígida. A imensidão tinha profundidade e aumentava-se ali a necessidade de alguém. No mesmo instante, a consciência era agora um ponto de luz, talvez o que havia restado do branco, da claridade. Era preciso destacar-se para existir naquele mar bucólico.

A próxima cor foi o cinza. Pigmentação que cobria a pele da solidão. Era muito complicado para o pequeno “criador” não ter com quem conversar ou com quem dividir suas idéias fulminantes. O tom metálico viajava por anos e anos como uma poeira cósmica que visitava os cantos do universo sem ter um lugar exato para ficar. A solidão era só. Sem perceber, novos elementos surgiam ao redor da consciência, que agora circular. Foi então que aquele branco antes senhor do infinito, voltou para reivindicar sua própria existência.

O desespero tomou conta do broto de luz. Lembrou-se da eternidade que passou rodeado por um deserto de nada. Não era possível descansar, não era possível se concentrar, não havia profundidade, não havia um espaço menor, tudo era baseado na superexposição. Foi então que optou por não se deixar vencer. Estilhaçou todo o branco, levando-o do imenso ao fragmentado. Pequenos pontos cobriam o infinito negro sem substituí-lo. O círculo, já com cabeça, baços, tronco e pernas, percebeu que após a agonia surgia a beleza, uma de suas criações e mãe das estrelas. Estrelas essas que nasceram da explosão desesperada de uma mente que não queria viver o passado.

O garoto, sentado num trono invisível, nem ao menos sabia o que era ser rei. Estava deslumbrado com tudo o que havia criado sem a presença do tempo. Foi então que sentiu um calor tomando conta do peito. Curioso, olhou dentro de si mesmo e então algo magnífico banhou seus olhos: a cor vermelha. Algo pulsava constantemente num ritmo sedutor, que pressupunha vida e principalmente, felicidade. O rosto, antes composto apenas por dois globos que lhe permitiam ver, agora rasgava uma linha bem fina e discreta, batizada de sorriso. Toda aquela euforia já não era bem vinda. As outras três cores, os outros três sentimentos, resolveram se unir para acabar com o tom recém nascido.

Tristeza, solidão e desespero envolviam o vermelho tímido que agora ocupava as bochechas do pequeno artista. O espaço torcia para que a luta não fosse em vão e que o desenvolvimento voltasse a fazer parte de sua rotina. O vermelho agora tentava se defender. Cobria todo o rosto do garoto e alimentava sua pele, dava a ela um tom rosado. A tristeza o fazia lembrar que suas visitas seriam constantes, a solidão sussurrava em seus ouvidos as lamúrias de quem não tem semelhantes e o desespero praguejava contra tudo o que havia sido feito, dizendo que a união de todas as cores sempre resultaria nele.

Ao elevar a consciência a um nível inimaginável, o garoto, evoluído na forma de uma menina com longos cabelos negros, descobriu o amor. O sentimento que tinha por todas as suas criações, até mesmo por aquelas que tentavam se rebelar. A garota aceitou a tristeza, respeitou a solidão e superou o desespero. Ergueu suas pequenas mãos até boca e com uma mordida suave retirou uma gota de sangue. Dali saíram partículas que se tornariam a moradia de seus filhos. A mulher, agora mãe, percebeu que no amor estava a barreira contra o ataque violento dos sentimentos primários. Contudo, sabia que era necessário senti-los de tempos em tempos, para que o tom vermelho não perdesse toda a sua plenitude.

Os filhos do pequeno grão de areia, da mulher de cabelos longos e da grande consciência cósmica nasceram do simples ato da destruição. Uma mordida sutil que arrancou a essência do que era essencial. Uma mordida que mostrou a vulnerabilidade da mulher. Uma mordida que, mesmo causando dor, era compensada pela alegria de não sentir mais tristeza, solidão e desespero. Uma mordida que conceberia a raça mais suicida que já existiu.


Concentrado, focado num único ponto. Sua existência se igualava a de um grão de areia no extenso litoral. Olhava para as próprias mãos, sujas de sangue. Tão pequeno, parecia vencido por si mesmo. Levantou-se, sorriu, admirou sua obra de arte pela última vez e então se espalhou como as ondas. Decidiu que não precisava mais ser a única consciência, mas sim a consciência de todos. A minha, a sua, a de todos.